Falar sobre a história da Aliança Cooperativa Internacional (ACI) é falar sobre a história do cooperativismo. E falar sobre a história do cooperativismo é falar sobre a história de milhares de pessoas.
Para começar, é válido saber que a ACI foi fundada em 1895, em Londres, durante o 1º Congresso Cooperativista Internacional. A inglesa Gillian Lonergan, ex-bibliotecária do Arquivo Nacional de Cooperativas do Co-operative Heritage Trust (UK), comenta:
“A ACI foi iniciada a partir de uma conferência, e sem muito em termos de financiamento ou instalações ou qualquer outra coisa. E acho que se começa com o que se pode fazer e se desenvolve por conta própria.”
– Gillian Lonergan
Lonergan diz ainda que “há uma bela parte no esboço da constituição da ACI de 1896, que incentiva os cooperados a ‘se familiarizarem uns com os outros’, o que eu acho que é um brilhante primeiro objetivo para qualquer organização, ainda mais para uma organização internacional.”
A história de Gillian Lonergan – e outras que ela nos conta – são apenas algumas das boas lembranças reunidas pela própria ACI em comemoração aos 125 anos da organização. Para saber mais sobre o movimento cooperativista, a ACI e suas histórias, acompanhe:
Provavelmente, você já conhece a história dos pioneiros de Rochdale, operários ingleses que, em 1844, durante a Revolução Industrial, se reuniram e formaram a Sociedade dos Probos de Rochdale, considerada a primeira cooperativa da história mundial.
Sobre isso, Lonergan traz algumas curiosidades pouco conhecidas. Segundo ela:
“para a maioria desses 28 membros originais não foi uma coisa repentina. Eles estavam, há anos, visitando pessoas envolvidas em todos os tipos de organizações baseadas em diferentes membros para reunir suas ideias. (…) Já havia muitos tipos de associações antes disso – é preciso lembrar – mas muitas dessas sociedades eram dependentes de um grupo particular. E muito raramente passavam para a próxima geração de membros… mas os Pioneiros de Rochdale, em seu método, realmente encorajaram o constante recrutamento de novos membros, porque estavam determinados a que sua sociedade continuasse por muito tempo.”
Outra confusão comum é crer que os 7 princípios cooperativistas foram definidos desde o início da sociedade e sempre foram os mesmos. De acordo com Lonergan:
“As pessoas frequentemente pensam que os Pioneiros os tiveram em 1844, mas na verdade foram escritos em 1860 no Almanaque produzido para os membros, que queriam um guia sobre a criação de cooperativas. Essa lista ficou conhecida como os Princípios de Rochdale, e foram coletados e administrados por cooperativas em todos os tipos de lugares diferentes. Só que eles mudaram bastante com o passar do tempo, porque é um movimento vivo. (…) Um dos grandes pontos fortes do movimento cooperativo são as pesquisas contínuas sobre si mesmo, como ocorreu nas décadas de 30, 60 e 90, quando se revisou não apenas os princípios em si, mas também como eles são colocados em prática.”
Edward Vansittart Neale (1810-1892) foi um advogado inglês que ajudou a criar, em 1870, a União Cooperativa (atual Co-operatives UK). Segundo Lonergan, a União foi fundada “porque os pioneiros de Rochdale perceberam que estavam passando mais tempo ajudando outras pessoas a criar cooperativas e respondendo aos seus problemas.”
Diante disso, decidiram formar uma organização separada para orientar as novas sociedades cooperativas e também conectá-las.
Nesse contexto de crescimento do movimento cooperativista é que ocorreu o impulso para o 1º Congresso Cooperativo Internacional de 1895, presidido por outro Edward: Edward Owen Greening (1836-1923), ativista inglês que contribuiu para a criação da ACI e foi secretário da organização entre 1895 e 1902.
Para Lonergan, os dois Edwards foram as pessoas que realmente pressionaram pelo Congresso da ACI. Ao mesmo tempo, ela comenta que:
“Os cooperativistas sempre foram fascinados pelo que os outros cooperativistas estavam fazendo e pelo que podiam aprender com isso. (…) Em 1895, as pessoas vieram de tantos lugares – da América, da Índia e de toda a Europa – porque queriam se reunir e aprender com os outros.”
Na opinião da doutora em História, Rita Rhodes, ex-presidente da UK Society for Co-operative Studies, o objetivo principal do 1º Congresso era reunir as cooperativas já existentes, possibilitar a troca de experiência entre elas e, eventualmente, incentivar o desenvolvimento de possíveis relações comerciais.
Lonergan concorda, e completa: “Uma das coisas que eles realmente queriam era ter mais de um setor envolvido, para que o movimento fosse totalmente inclusivo para qualquer pessoa que quisesse aderir”.
Segundo ela, “as pessoas passaram 5 dias juntas, conversando e aprendendo. Em alguns dias, na verdade, não chegavam a um acordo sobre o tema, então os debates continuavam na manhã seguinte ou até que um consenso fosse alcançado. Todos foram ouvidos. Todas as opiniões foram bem-vindas e todos tiveram a oportunidade de apresentar suas ideias, e de discordar completamente de outra pessoa e usá-las como início de um debate.”
Pelos relatos de Lonergan e Rhodes é possível perceber, então, que a intercooperação e a participação democrática foram as bases do 1º Congresso Cooperativo Internacional – quando a ACI foi fundada. Não é por acaso, portanto, que até hoje esses continuem sendo alguns dos grandes pilares da entidade.
Assim como a ex-bibliotecária Gillian Lonergan já havia comentado, a ACI revisou os princípios cooperativistas em 1937, 1966 e 1995. Mas é a dr. Rita Rhodes quem nos conta o contexto em que tudo isso aconteceu.
Segundo Rhodes, “na década de 30, as discussões foram lideradas pelos franceses. Eles disseram: ’Todos nós sabemos o que são os princípios cooperativistas, mas não seria uma boa ideia escrevê-los de forma atualizada?’ Isso se tornou significativo para a ACI porque se uma organização quisesse aderir à Aliança, teria que mostrar que se mantinha fiel aos princípios que foram listados”.
A historiadora diz ainda que é importante observar que as relações internacionais entre as cooperativas sempre estiveram muito associadas às relações políticas mundiais. Exemplo disso é que, após as Guerras Mundiais e a Revolução Russa surgiram grandes dúvidas sobre a classificação das cooperativas russas como instituições cooperativistas.
“Quando chegamos à Segunda Guerra Mundial, os movimentos cooperativos da Itália, Áustria, Alemanha, Espanha e Japão foram afastados por seus governos, que não tolerariam a cooperação voluntária. Em que consistia a Aliança, então? Consistia em movimentos cooperativos dos aliados de guerra da América, da Grã-Bretanha, da França livre e da União Soviética… Mas quando caiu o Muro de Berlim e a União Soviética finalmente entrou em colapso, foi a ACI que estava lá para dizer: ‘Venha, você se lembra dos antigos ideais cooperativos? Mostre-nos que você pode se adaptar’”, finaliza Rhodes.
Você sabia que a ACI pode ser considerada a irmã mais velha da Organização das Nações Unidas (ONU)? De acordo com Rita Rhodes, no período entre Guerras, quando foi criada a Liga das Nações – organização precursora da ONU – o então secretário geral da ACI, Henry May, disse: “Nós a acolhemos como a uma irmã mais nova.”
“Isso foi em 1920, apenas 25 anos após a fundação da ACI”, comenta Rhodes e continua: “Ele [Henry May] acreditava que a ACI era a verdadeira liga do povo, e eu acho que esse é mesmo o seu papel. (…) A ACI é uma das organizações não-governamentais internacionais mais antigas e que tem tido uma existência contínua. Isso é uma conquista considerável”
Para Rhodes, “uma das características da ACI e uma das partes mais fortes de sua política sempre foi a paz, apoiando métodos para tentar resolver disputas internacionais através da mediação, arbitragem e ajudando a configurar organizações internacionais como a Liga das Nações. (…) A ACI continua sendo necessária para trazer essa mensagem cooperativa às relações internacionais, particularmente em questões de paz.”
O presidente do Comitê de Identidade da ACI, Martin Lowery, corrobora a afirmação de Rhodes. Segundo ele, “toda a história da ACI tem sido muito associada à paz e harmonia no mundo. Isso pode parecer uma declaração muito idealista, até que se começa a olhar para exemplos específicos na Colômbia, no Nepal e em outros lugares do mundo onde as cooperativas têm sido parte não apenas da resolução de conflitos, mas também têm ajudado a alcançar o que chamamos de paz positiva, ou seja, a ausência de violência estrutural, a ausência de impedimentos estruturais para melhorar a qualidade de vida de todos na comunidade.”
Para Lowery, quando pensamos no momento atual, os valores em que se fundamentam a identidade cooperativista – auto-ajuda, auto-responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade – podem ser grandes impulsos para conseguirmos superar todos os efeitos da pandemia e dar a volta por cima, alcançando um futuro melhor.
O executivo comenta ainda que, em sua opinião, a ACI é hoje, antes de tudo, “um lugar virtual. É a forma como nos reunimos como cooperativas, para compartilhar informações e ideias, para nos inspirarmos e conseguirmos essa explosão de energia que precisamos para continuar fazendo as coisas certas pela sociedade. É menos um local em Bruxelas, Bélgica, onde tem seu edifício sede. É muito mais a convocação do movimento cooperativo global… um hub, um conector global”.
Como exemplo prático do comentário de Lowery, vale dizer que a ACI realizou, no dia 03 de setembro deste ano, a sua assembleia geral anual – evento que ocorreu de forma totalmente virtual e contou com a participação de mais de 80% dos integrantes da Aliança.
Durante a Assembleia, o atual presidente da ACI, o argentino Ariel Guarco, falou cobre a importância da Aliança no apoio às ações de cooperativas/cooperados membros na recuperação econômica no período pós-pandemia. E todos juntos reafirmaram seu compromisso com a promoção global do cooperativismo como meio de crescimento econômico inclusivo, colaborativo e de desenvolvimento social.
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